No agronegócio brasileiro, uma realidade complexa se desenha todos os dias nas propriedades rurais: a convivência de três gerações distintas na tomada de decisões de compra. Avô, pai e neto compartilham não apenas o mesmo teto e a mesma terra, mas também o poder de influenciar – ou definir – quais produtos e serviços serão adquiridos para a fazenda.
Essa dinâmica multigeracional representa um dos maiores desafios para empresas que desenvolvem agromarketing e marketing para o agro. Como criar campanhas que falem simultaneamente com o produtor de 70 anos que confia no rádio da manhã, o filho de 45 anos que navega entre WhatsApp e televisão, e o neto de 25 anos que vive conectado nas redes sociais?
A resposta está em compreender profundamente os hábitos de mídia, comportamentos de consumo e processos de decisão de cada geração. Dados da 8ª Pesquisa Hábitos do Produtor Rural da ABMRA (Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio) revelam um cenário em transformação acelerada, onde a internet saltou de 39% para 74% de penetração entre os produtores rurais em apenas oito anos.
O Perfil multigeracional do agronegócio brasileiro
A realidade dos números
O produtor rural brasileiro tem, em média, 46,4 anos de idade. Mas essa média esconde uma diversidade geracional impressionante que impacta diretamente nas estratégias de marketing para agricultura e marketing para pecuária. Segundo dados do setor, a distribuição etária nas propriedades rurais apresenta o seguinte cenário:
– Geração Z (até 25 anos): 12% dos profissionais
– Millennials (26-34 anos): 33% dos profissionais
– Geração X (35-44 anos): 36% dos profissionais
– Geração intermediária (45-54 anos): 16% dos profissionais
– Baby Boomers (55+ anos): Presença significativa na liderança das propriedades
Essa distribuição revela que o marketing rural precisa navegar por um espectro de cinco gerações ativas, cada uma com características, preferências e hábitos de consumo de mídia completamente distintos.
A tradição familiar como fator decisivo
Um dado que chama atenção na pesquisa da ABMRA é que 80% dos produtores rurais declaram estar na profissão por seguir a tradição de família. Isso significa que a maioria das decisões de compra no agronegócio não é tomada por um indivíduo isolado, mas sim por um núcleo familiar multigeracional, onde experiência, tradição e inovação se encontram – e às vezes se chocam.
Apenas 10% dos produtores rurais possuem nível superior completo, o que reforça a importância da comunicação clara, direta e baseada em confiança – características fundamentais para o sucesso de qualquer estratégia de agromarketing.
Hábitos de mídia: A revolução silenciosa no campo
A transformação digital acelerada
Os dados da ABMRA revelam uma transformação impressionante nos hábitos de consumo de mídia dos produtores rurais entre 2013 e 2021:
Televisão Aberta:
– 2013: 95% dos produtores
– 2017: 92% dos produtores
– 2021: 76% dos produtores
Internet:
– 2013: 39% dos produtores
– 2017: 42% dos produtores
– 2021: 74% dos produtores
Rádio:
– 2013: 70% dos produtores
– 2017: 75% dos produtores
– 2021: 71% dos produtores
Jornal Impresso:
– 2013: 42% dos produtores
– 2017: 30% dos produtores
– 2021: 27% dos produtores
Esses números mostram que, embora a TV aberta ainda lidere como meio de comunicação preferido, a internet praticamente dobrou sua penetração, tornando-se o segundo canal mais importante para atingir produtores rurais.
O fenômeno WhatsApp no agronegócio
Entre as mídias digitais, o WhatsApp emergiu como o grande protagonista, sendo utilizado por impressionantes 96% dos produtores rurais. Essa penetração quase universal faz do aplicativo uma ferramenta essencial para qualquer estratégia de marketing para o agro.
A sequência de preferência nas mídias digitais é reveladora:
WhatsApp: 96% dos produtores
- Facebook: 67% dos produtores
- YouTube: 24% dos produtores
- Messenger: 20% dos produtores
- Instagram: 8% dos produtores
- Skype: 5% dos produtores
Essa hierarquia demonstra que o produtor rural prioriza ferramentas práticas e diretas de comunicação, com foco na troca de informações úteis para o dia a dia da propriedade.
As cinco gerações do agronegócio: Perfis e comportamentos
Baby Boomers (1946-1964): Os guardiões da tradição
Os Baby Boomers no agronegócio são os patriarcas das propriedades rurais, detentores de décadas de experiência e conhecimento empírico. Essa geração, que teve impacto significativo na modernização da agricultura brasileira, mantém preferência pelas mídias tradicionais:
Características de consumo de mídia:
–TV aberta: Principal fonte de informação (especialmente telejornais rurais)
– Rádio: Companheiro constante durante o trabalho no campo
– Jornais e revistas especializadas: Leitura regular e confiável
– Resistência inicial às tecnologias digitais: Adoção gradual e seletiva
Comportamento de compra:
– Decisões baseadas em experiência pessoal e recomendações de confiança
– Valorizam relacionamentos de longo prazo com fornecedores
– Preferem negociações presenciais e demonstrações práticas
– Influência significativa nas decisões familiares, mesmo quando não são os gestores diretos
Geração X (1965-1980): A ponte entre mundos
A Geração X representa a transição entre o analógico e digital no agronegócio. São profissionais que vivenciaram a modernização tecnológica da agricultura e hoje ocupam posições de liderança em muitas propriedades.
Características de consumo de mídia:
– Mix equilibrado: Combinam mídias tradicionais e digitais
– WhatsApp: Ferramenta essencial para comunicação profissional
– TV especializada: Programas técnicos e de mercado
– Internet: Busca por informações técnicas e preços
Comportamento de compra:
– Equilibram tradição familiar com inovação tecnológica
– Pesquisam online antes de decidir
– Valorizam eficiência e resultados comprovados
– Influenciadores-chave nas decisões de investimento da propriedade
Millennials/Geração Y (1980-1995): Os conectados
Os Millennials no agronegócio são a geração que participou da “imigração digital”. Têm boa relação com a internet e são early adopters de tecnologias que comprovem valor prático.
Características de consumo de mídia:
–Internet: Principal fonte de informação e pesquisa
– Redes sociais: Facebook, Instagram e YouTube para conteúdo técnico
– WhatsApp: Comunicação profissional e grupos especializados
– E-mail: Ferramenta de trabalho consolidada
Comportamento de compra:
– Pesquisa extensiva online antes da compra
– Valorizam sustentabilidade e inovação
– Abertos a experimentar novas tecnologias
– Influenciam decisões familiares com dados e argumentos técnicos
Geração Z (1995-2012): Os nativos digitais
A Geração Z representa o futuro do agronegócio. São nativos digitais que trazem uma perspectiva completamente nova para o setor, focada em sustentabilidade, tecnologia e eficiência.
Características de consumo de mídia:
–Redes sociais: Instagram, TikTok e YouTube como fontes primárias
– Conteúdo visual: Preferência por vídeos e infográficos
– Mobile-first: Consomem informação prioritariamente pelo smartphone
– Múltiplas telas: Multitasking constante entre dispositivos
Comportamento de compra:
– Decisões rápidas baseadas em pesquisa digital
– Valorizam marcas com propósito e sustentabilidade
– Preferem experiências digitais e self-service
– Influenciam a família com argumentos de inovação e sustentabilidade
Variações regionais e por cultura
Os hábitos de mídia também variam significativamente por região e tipo de cultura, criando mais uma camada de complexidade para o marketing rural:
Exemplos regionais da pesquisa ABMRA:
– Pernambuco – Produtores de uva: 100% assistem TV aberta
– Goiás – Produtores de algodão: Apenas 27% assistem TV aberta
– São Paulo – Produtores de banana: 43% acessam internet
– Goiás – Produtores de feijão: 58% acessam internet
– Nacional – Agricultura + Pecuária: 74% acessam internet
Essas variações demonstram que não existe uma fórmula única para o agromarketing. Cada região, cultura e perfil de produtor demanda uma abordagem específica e personalizada.
Estratégias de marketing multigeracional para o agronegócio
1. A Estratégia do funil multicanal
Para atingir efetivamente as três gerações que influenciam a decisão de compra na propriedade rural, é essencial desenvolver campanhas que utilizem múltiplos canais de forma integrada:
Para Baby Boomers:
– TV aberta: Vts durante programas rurais matinais
– Rádio: Patrocínios em programas agrícolas regionais
– Materiais impressos: Folders técnicos e catálogos detalhados
– Eventos presenciais: Dias de campo e feiras agropecuárias
Para Geração X:
–WhatsApp Business: Comunicação direta e personalizada
– TV especializada: Programas técnicos em canais do agro
– E-mail marketing: Newsletters com conteúdo técnico
– Sites especializados: Presença em portais do agronegócio
Para Millennials e Geração Z:
–Redes sociais: Conteúdo educativo no Facebook< Instagram e YouTube
– Marketing de conteúdo: Blogs e artigos técnicos
– Influenciadores digitais: Parcerias com especialistas do agro
– Webinars e lives: Eventos online interativos
2. O poder do WhatsApp como canal universal
Com 96% de penetração entre os produtores rurais, o WhatsApp se tornou a ferramenta mais democrática do marketing para agricultura. Estratégias eficazes incluem:
WhatsApp Business para empresas:
– Catálogo de produtos integrado
– Atendimento personalizado por região
– Grupos segmentados por cultura e interesse
– Compartilhamento de conteúdo técnico
Estratégias de conteúdo:
– Vídeos curtos demonstrando produtos
– Infográficos com dicas técnicas
– Alertas de mercado e clima
– Suporte técnico em tempo real
3. Linguagem e abordagem por geração
Cada geração responde a linguagens e abordagens específicas:
Baby Boomers:
– Linguagem respeitosa e formal
– Foco em tradição e experiência comprovada
– Testemunhos de produtores estabelecidos
– Ênfase em resultados de longo prazo
Geração X:
– Linguagem técnica e objetiva
– Foco em eficiência e ROI
– Dados e comparativos de performance
– Casos de sucesso regionais
Millennials:
– Linguagem moderna mas profissional
– Foco em sustentabilidade e inovação
– Conteúdo educativo e informativo
– Interação e engajamento digital
Geração Z:
– Linguagem dinâmica e visual
– Foco em impacto ambiental e social
– Conteúdo em vídeo e formato mobile
– Experiências interativas e gamificadas
4. Timing e momentos de consumo
Cada geração consome mídia em horários e contextos diferentes:
Baby Boomers:
– Manhã cedo (5h-7h): Rádio durante ordenha/trato dos animais
– Meio-dia (12h-13h): TV durante almoço
– Final da tarde (17h-19h): TV e leitura de materiais impressos
Geração X:
– Manhã (6h-8h): WhatsApp e e-mails
– Meio-dia (12h-14h): Navegação em sites especializados
– Noite (19h-21h): TV especializada e redes sociais
Millennials e Geração Z:
–Durante o dia: Consumo constante via smartphone
– Intervalos de trabalho: Redes sociais e vídeos curtos
– Noite (20h-23h): Conteúdo longo e educativo
Eventos para o agro: A estratégia multigeracional perfeita
Os eventos para o agro representam uma oportunidade única de atingir todas as gerações simultaneamente. Feiras, dias de campo, congressos e demonstrações técnicas permitem:
Integração geracional natural
Para Baby Boomers:
– Demonstrações práticas e presenciais
– Conversas técnicas com especialistas
– Networking com pares da região
– Avaliação tátil de produtos e equipamentos
Para Geração X:
– Palestras técnicas e cases de sucesso
– Comparativos de performance e custos
– Networking profissional estruturado
– Negociações comerciais diretas
Para Millennials e Geração Z:
– Conteúdo sobre inovação e sustentabilidade
– Experiências interativas e tecnológicas
– Transmissões ao vivo para redes sociais
– Conexões digitais e follow-up online
Estratégias de ativação em eventos
Antes do evento:
– Campanha multicanal de divulgação
– Conteúdo específico por geração
– Agendamento de reuniões personalizadas
– Criação de expectativa nas redes sociais
Durante o evento:
– Estandes com experiências diferenciadas
– Demonstrações ao vivo para diferentes públicos
– Coleta de dados segmentada por perfil
– Ativação de redes sociais em tempo real
Após o evento:
– Follow-up personalizado por canal preferido
– Conteúdo exclusivo para participantes
– Nutrição de leads por geração
– Mensuração de resultados por canal
Casos práticos: Como aplicar o marketing multigeracional
Caso 1: Lançamento de defensivo agrícola
Desafio: Empresa de defensivos precisa lançar novo produto para soja
Estratégia multigeracional:
Baby Boomers (Influenciadores da decisão):
– Demonstrações em dias de campo regionais
– Testemunhos de produtores experientes da região
– Material técnico impresso detalhado
– Presença em programas de rádio rurais matinais
Geração X (Tomadores de decisão):
– Webinar técnico com dados de eficácia
– WhatsApp Business com suporte técnico
– Presença em feiras e eventos do setor
– E-mail marketing com cases de ROI
Millennials/Geração Z (Influenciadores técnicos):
– Conteúdo educativo no YouTube sobre aplicação
– Posts técnicos no Facebook, Instagram e LinkedIn
– Influenciadores digitais do agro testando o produto
– App mobile com calculadora de dosagem
Resultado: Penetração de 35% no mercado-alvo em 6 meses
Caso 2: Equipamento de agricultura de precisão
Desafio: Startup de tecnologia quer vender sistema de monitoramento
Estratégia multigeracional:
Baby Boomers:
– Foco nos benefícios econômicos comprovados
– Demonstrações presenciais na propriedade
– Linguagem simples sobre tecnologia complexa
– Garantias e suporte técnico robusto
Geração X:
– Análise de ROI detalhada
– Comparativos com métodos tradicionais
– Suporte via WhatsApp e telefone
– Treinamento presencial da equipe
Millennials/Geração Z:
– Foco em sustentabilidade e eficiência
– Interface intuitiva e mobile-friendly
– Conteúdo sobre agricultura 4.0
– Comunidade online de usuários
Resultado: Adoção por 60% das propriedades visitadas
Métricas e KPIs por geração
Baby Boomers
– Recall de marca: Mensuração via pesquisa telefônica
– Participação em eventos: Presença em dias de campo
– Recomendação: Net Promoter Score presencial ou telefone
– Conversão: Vendas diretas pós-demonstração
Geração X
– Engajamento WhatsApp: Taxa de resposta e interação
– Abertura de e-mail: Taxa de abertura e cliques
– Participação em webinars: Inscrições e permanência
– Conversão: Leads qualificados para vendas
Millennials/Geração Z
– Engajamento social: Curtidas, comentários, compartilhamentos- Tráfego web: Visitas, tempo de permanência, páginas visitadas
– Download de conteúdo: E-books, aplicativos, materiais técnicos
– Conversão digital: Leads gerados online
O Futuro do marketing multigeracional no agronegócio
Tendências emergentes
Convergência digital:
– Integração crescente entre mídias tradicionais e digitais
– TV conectada chegando ao campo
– Rádio digital e podcasts especializados
– Realidade aumentada em demonstrações de produtos
Personalização avançada:
– IA para segmentação comportamental
– Conteúdo dinâmico por perfil de produtor
– Automação de marketing por geração
– Experiências omnichannel personalizadas
Sustentabilidade como linguagem universal:
– Todas as gerações convergindo para práticas sustentáveis
– ESG como critério de decisão crescente
– Comunicação de impacto ambiental e social
– Certificações e selos como diferencial competitivo
Recomendações estratégicas
Para empresas do agronegócio:
- Invista em pesquisa contínua: Monitore mudanças nos hábitos de mídia regionalmente
- Desenvolva equipes multigeracionais: Tenha profissionais que falem a linguagem de cada geração
- Crie conteúdo escalável: Desenvolva materiais que possam ser adaptados para diferentes canais
- Mensure por geração: Estabeleça KPIs específicos para cada público
- Integre online e offline: Combine estratégias digitais com presença física
Para profissionais de marketing:
Especialize-se em agronegócio: Entenda as particularidades do setor
- Domine múltiplos canais: Seja versátil em mídias tradicionais e digitais
- Desenvolva linguagem técnica: Aprenda a falar com credibilidade sobre agricultura
- Construa relacionamentos: O agronegócio é baseado em confiança e relacionamentos
- Mantenha-se atualizado: O setor evolui rapidamente em tecnologia e práticas
Conclusão: A arte de falar com três gerações
O agromarketing eficaz no Brasil de hoje exige uma compreensão profunda de que a decisão de compra na propriedade rural raramente é individual. É um processo coletivo, multigeracional, onde tradição e inovação se encontram diariamente.
As empresas que conseguirem desenvolver estratégias que respeitem e atendam às características de cada geração – do avô que confia no rádio da manhã ao neto que pesquisa no YouTube – terão vantagem competitiva significativa no mercado.
O WhatsApp emergiu como o grande equalizador, sendo a única mídia que atravessa todas as gerações com alta penetração. Mas isso não significa que uma estratégia única serve para todos. Cada geração tem suas particularidades, seus momentos de consumo de mídia e suas formas preferidas de receber informação.
O futuro domarketing para o agro está na capacidade de orquestrar campanhas multicanais que falem simultaneamente com diferentes gerações, respeitando suas características individuais, mas convergindo para um objetivo comum: ajudar o produtor rural a tomar a melhor decisão para sua propriedade.
Como disse um produtor de soja de Goiás durante uma palestra que fiz na cidade de Jussara: “Lá em casa, o vô escuta rádio, eu vejo TV e meu filho fica no celular. Mas na hora de comprar, a gente conversa junto.” Ou seja, a empresa que souber falar com os três vai ganhar nosso negócio.
Essa é a essência do marketing rural moderno: a arte de falar com três gerações, respeitando suas diferenças, mas unindo-as em torno de uma decisão comum.